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Ainda o Acordo Ortográfico
sábado, 30 janeiro 2016

Ainda o Acordo Ortográfico

Com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (também conhecido pelo novo Acordo Ortográfico ou Acordo Ortográfico de 1990, a ortografia da língua portuguesa passa a ter uma norma única em todo o espaço lusófono, mas isso significará uma escrita igual para todos? Pois bem, a unificação da ortografia não se traduz numa escrita única: as diferenças ortográficas da tradição lexicográfica entre a norma do português europeu e do português do Brasil (connosco e conosco) e as divergências no interior dos próprios países ou comunidades (fino-imperialcafé-bica) irão permanecer, uma vez que o texto oficial não faz referência a estes casos. Os portugueses discutem o TGV, apanham o autocarro, vão ao talho e comem beringelas; os brasileiros discutiriam o trem-balapegam o ônibus, vão ao açougue e comem berinjelas.

Também a diferença de pronúncia de alguns vocábulos nas duas normas, ou mesmo no interior de uma delas, origina numerosos casos de grafias duplas: nós, portugueses, passaremos a escrever excecional sem p, mas os brasileiros continuarão a grafar esta consoante. Apenas a forma como escrevemos certas palavras é alterada.

A resistência à mudança não é de agora. O tema da ortografia da língua portuguesa foi sempre um assunto controverso e, de certa forma, apaixonado. A língua é algo que nos é intrínseco, faz parte do nosso património. Todas as reformas ortográficas encontraram algum tipo de resistência.

Desde a primeira grande reforma ortográfica de 1911, a língua portuguesa tem sido objeto de vários (des)acordos, numa tentativa de criação de uma norma ortográfica única para os países de expressão portuguesa. De uma dessas tentativas resultou o Acordo Ortográfico de 1945, ou mais propriamente a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, não ratificada pelo Brasil e que, salvo pequenas alterações em 1973, originou as Bases Analíticas do Acordo de 1945, documento que, antes do presente acordo, ditava a forma correta de grafarmos as palavras. Uma outra tentativa foi o projeto de 1986, que tendo provocado uma conhecida e acesa discussão nacional por ser demasiado drástico (propunha a supressão geral dos acentos nas palavras esdrúxulas e graves), acabou por ser rejeitado. O novo Acordo Ortográfico foi assinado em 1990 por representantes de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, posteriormente, por Timor-Leste, contando ainda com a adesão da delegação de observadores da Galiza. Ao longo destes anos, houve ainda a celebração de dois protocolos modificativos, o último dos quais estipulava que o Acordo poderia entrar em vigor quando três países o ratificassem.

Também este novo Acordo Ortográfico encontra opositores e resistências. Ouvem-se vozes: “Estaremos nós a ser colonizados pelo Brasil?” ou “Para que serve afinal?”. Num universo de 200 000 unidades, 8710 são afetadas pelo acordo, isto é, a percentagem de palavras cuja ortografia é alterada não ultrapassa os 2 %. No ponto 4 da Nota Explicativa do documento oficial, refere-se que a eliminação das consoantes mudas é uma alteração pouco significativa em termos quantitativos uma vez que as palavras em questão representam 0,54 % do vocabulário geral da língua; no entanto, o que justifica o forte impacto desta alteração gráfica é o índice de frequência bastante elevado (palavras usadas diariamente como: atual, correção, diretor, eletricidade, fatura, letivo, ótimo, projeto, etc.). O número de palavras abrangidas pela dupla grafia que, segundo a mesma Nota Explicativa, é cerca de 0,5 % do vocabulário geral de língua, também se revela um número pouco significativo, no entanto também muitos destes são de elevada frequência, como característica ou caraterística, espectador ou espetador, perspectiva ou perspetiva, etc.

Podemos continuar a escrever segundo as regras anteriores? Não há qualquer consequência legal, no entanto, e com a adoção da nova ortografia pela maior parte dos órgãos da comunicação social, pelo sistema educativo e pelos demais serviços, organismos e publicações do Estado português, temos de reconhecer que é importante a aprendizagem da nova ortografia. Se não escrevermos segundo as novas regras, os nossos textos passarão a ter erros ortográficos. Será mesmo assim? Em boa verdade, o Governo brasileiro já se pronunciou sobre o assunto. Para quando uma decisão portuguesa?

Ana Salgado
Gestora do Pórtico da Língua Portuguesa

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