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Indignação e regozijo
terça-feira, 03 maio 2016

Indignação e regozijo

Indignação e regozijo

Indignação
Pergunto-me, amiúde, se vale a pena uma pessoa indignar-se. É assim a modos de, em termos pessoais, fazermos um tratamento psicológico. Uma pessoa deixa extravasar a momentânea raiva que lhe vai na alma e depois sente-se melhor. Daniel Oliveira, no seu excelente programa «Alta definição», que passa na SIC no começo dos sábados, entrevistou, a 23, o nosso melhor tenista, João Sousa, e perguntou-lhe, a dado passo, se já lhe dera para partir a raquete. Sim, claro, já partira! «Para aliviar a raiva!».

Não vou partir nenhuma raquete nem um prato sequer. Lavro mui singelamente aqui a minha indignação, até porque acredito cada vez menos nas instituições tal como elas hoje são geridas.
‒ E podes, de uma vez por todas, explicar porque estás indignado?
‒ Sim. É muito simples: a minha Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, alfobre de tantos luminares que, séculos afora, terçaram armas pela defesa da Língua Portuguesa, decidiu veicular as suas informações através de uma… newsletter!
Barafustei, claro, e dei conta das mil e uma hipóteses de designar veículo idêntico. Debalde. É moda, menino, é moda! E também já não há cartazes, mas posters; não temos desdobráveis, mas flyers (é com i ou com y?...). E corre voz que as reuniões do Conselho Científico deverão passar a chamar-se… brainstormings, cujos membros serão, pois, convocados através de uma mailing list

Regozijo

Por isso tudo me regozijo, ao verificar que o Povo autêntico está, cada vez mais, a prezar a sua identidade, não apenas nos comeres e nas festanças, mas também no modo de falar como era antigamente. Não é consolador chegar a Miranda e ver que as placas toponímicas são bilingues e que é o mirandês que está em primeiro?
E começámos a descobrir os provérbios, as lengalengas, os ditos dos nossos avós. Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa), pelo entusiasmo de vários docentes, entre os quais cumpre destacar a Doutora Ana Paula Guimarães, munícipe de Cascais, há o Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, que, sem newsletter, vem publicando obra de mérito. Na Academia das Ciências de Lisboa, sob orientação de outra Ana – Ana Castro Salgado – há o Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa, que vai promover no próximo dia 25 de Maio «uma reflexão conjunta sobre a língua portuguesa como idioma do futuro». De aplaudir!

Perdoe-se-me, porém, se o meu aplauso de hoje vai para além-fronteiras. Ou seja, enquanto os indígenas se deixam vislumbrar pelos anglicismos reinantes, há em Hamburgo – a cidade mais portuguesa da Alemanha – quem se tenha deixado seduzir pelo idioma luso e, depois de ter publicado «Português, Meu Amor», a dar conta da beleza de muitas das nossas frases únicas, lançou no passado dia 7, com pompa e circunstância, a obra «Passatempo Proverbial» (em alemão, «Spaß mit portugiesischen Sprichwörten»), onde, de uma forma divertidíssima, se compraz em explicar aos Alemães o que reza a sabedoria popular portuguesa. Tudo é esmiuçado na sua razão de ser e magnificamente ilustrado, com a fina ironia de que Marlies Schaper é capaz. Novo lançamento está previsto, também em Hamburgo, a 31 de Maio, no Kulturhaus Eppendorf, «onde haverá», reza a publicidade, «a oportunidade de adquirir os originais e regar a compra com um copo de bom vinho do Douro». Não é uma maravilha? Ou melhor: não é… uma valente bofetada?
Peter Koj, o autor, residiu em Cascais largos anos, enquanto durou a sua comissão de serviço como professor na Escola Alemã. Dedicou-se afincadamente à aprendizagem da língua portuguesa; mantém assíduo contacto com escritores portugueses que a Hamburgo se deslocam. E foi agraciado, a 30 de Maio de 1996, com o Prémio da Fundação Casa da Cultura de Língua Portuguesa (Universidade do Porto), entregue pelo Chefe do Estado, mercê da ampla difusão que faz de Portugal, da sua língua e dos seus costumes.
Um regozijo que quase neutraliza, pois, a indignação – na esperança que tenho de que se recorde ser a língua um património a defender, até porque foi com essa intenção que, solenemente, a 17 de Julho de 1996, se constituiu a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP. Ou terá sido também essa criação mera formalidade com fogo-de-artifício?

José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal, n.º 137, 27-04-2016, p. 6

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