segunda-feira, 21 novembro 2016
A minha evolução no apreço pelo AO90
Por D'Silvas Filho
ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990
1. Minha posição de base e acordos anteriores
Nunca entendi por que razão, designando-se as duas línguas por língua portuguesa, afinal os linguistas de Portugal e do Brasil foram deixando que as ortografias se afastassem tanto. É numa ortografia comum que as línguas se identificam como tais. Sempre julguei necessário um qualquer acordo que aproximasse as duas ortografias ao máximo, para prestígio da comum língua, na força de um grande número de falantes.
Por isso, foi uma tristeza para mim que o excelente Acordo de 1945, elaborado em comum (e, no nosso caso, sob a égide da prestigiada Academia das Ciências de Lisboa, com a excelsa colaboração de Rebelo Gonçalves) tenha acabado por ser denunciado pelos brasileiros.
Veio então o Projeto de 1986 para tentar de novo a aproximação. Projeto que começou por ser uma lufada de esperança. Mas o estudo mais aprofundado das Bases levou-me a concluir que o Projeto era inaceitável nas mudanças drásticas preconizadas, muitas vezes contra a índole da língua. Por isso, numa avaliação pública, de iniciativa da então Sociedade da Língua Portuguesa, votei contra a aceitação do Projeto.
2. O Acordo ortográfico de 1990
A esperança renasceu quando, quatro anos depois, graças ao incansável espírito de união dos nossos linguistas, foi assinado o AO90 por todos os países de língua oficial portuguesa, a que se associou Timor mais tarde. Pensei que iríamos ter, finalmente, um documento consensual na língua portuguesa, sem o risco de ser denunciado depois.
A primeira edição do meu Prontuário, ed. TEXTO 1994, foi dos primeiros trabalhos portugueses a apresentar um capítulo (35 páginas, numas modestas então 200) só dedicado ao, como então se dizia, Novo Acordo Ortográfico. O Prontuário apresentava inúmeras palavras nas quais, estudando o texto do Acordo, encontrara diferenças em relação à Norma de 1945. Algumas surpreendiam-me no português europeu, mas como no Preâmbulo se prescrevia que iria haver um Vocabulário Comum, fiquei na esperança de que no estudo desse Vocabulário imperasse o bom senso.
Vocabulário Comum que nunca mais aparecia. Isto durante 20 anos. Já com receio de que o Acordo fosse um nado-morto, fui defendendo a necessidade do Acordo na minha página e em Ciberdúvidas. Mas já descrente, deixei de referir a nova ortografia depois da 3.ª edição do Prontuário. Contudo, ia sempre tecendo loas ao Acordo e à necessidade de haver uma “língua portuguesa universal”, e não duas. Sem o aplicar ainda, era um defensor acérrimo do AO90. Os excessos de encómios devem atribuir-se, nessa altura, à campanha de defesa e à fé que continuava a ter nas virtudes do texto do AO90.
Com a decisão “unilateral” do Brasil de avançar sem um Vocabulário Comum e a pressa de Portugal em acompanhar agora a iniciativa, o AO90 readquiriu interesse, e, na 5.ª edição do Prontuário (2010), voltei a dedicar-lhe um capítulo de várias páginas, sugerindo mesmo um pequeno vocabulário para o AO90, com algumas alternativas que me pareceram servir melhor o nosso idioma.
3. As imperfeições do AO90
No estudo dos vários vocábulos, começaram a deparar-se-me dúvidas e inadequações ao português europeu. Data, dessa altura, o início das minhas observações ao AO90, de tal modo que, entre o meus pares defensores do AO90, comecei a ter a fama de ser anti-Acordo. A minha oposição centralizava-se, então, sobretudo na questão de perda das virtualidades no hífen, que o transporte de regras do Projeto de 1986 implicaram no AO90.
Para provar que continuava a defender a existência de uma língua comum, a 6.ª edição do Prontuário foi toda escrita no AO90 e seguindo os vocabulários mais divulgados, existentes para o novo AO (VOP do ILTEC e Infopédia da Porto Editora). Mas já em revolta frequente, incluí, no Prontuário, um Anexo (III), no qual aponto problemas no AO90 também nas consoantes não articuladas e sugiro nesse Anexo um vocabulário pessoal com algumas diferenças em relação ao vocabulário seguido em geral no livro com base no VOP e no da Infopédia.
Presentemente, construí um vocabulário pessoal, no qual aplico na generalidade o AO90, mas cuidando da língua portuguesa que aprendi a respeitar. Será com base no meu vocabulário que passarei a escrever no futuro. Só mudarei quando houver uma lei oficial que me obrigue, pois considero, incluindo o VOC, que ainda não há nenhuma, dado que uma Resolução do Conselho de Ministros não é uma lei geral. A minha esperança está agora na lucidez dos linguistas da ACL.
Houve quem estranhasse a mudança que fiz no meu apreço pelo AO90. Quando se sofre uma espécie de desilusão após grande fé, a tendência é para se ter menor tolerância. Mas faço esforços hoje por ser moderado e não esquecer os muitos pontos positivos do AO90.
Não me envergonho de ter mudado quanto ao apreço pelo AO90. Creio que presentemente a melhor forma de o defender é aperfeiçoá-lo. A adaptação é o segredo da sobrevivência, uma frase-muleta, mas que nem sempre foi considerada indiscutível, e ainda hoje é ignorada pelos convencidos das suas verdades.
Se mudei no apreço pelo pormenor, não mudei na ideia base de que o AO90 é útil e necessário; e sinto-me no dever de dizer, também, que, mesmo quando lhes aponto algumas imperfeições, não esqueço a enorme gratidão que sinto por todos aqueles que conseguiram que o AO90 se realizasse.
4. Características que defendo para um vocabulário PT
Aproveito para sugerir aperfeiçoamentos no AO90, mas sem o recusar liminarmente, para não criar outra confusão.
A razão alegada pelo Brasil para afinal denunciar o Acordo de 1945 foi não poder aceitar imposições da Norma que só eram necessárias para Portugal. Assim, analiso em cada vocábulo a solução brasileira; com os objetivos de: • na comparação manter quanto possível as soluções de 1945, • simplificar a língua sem perda de qualidade, • ponderar a conveniência, nessa comparação e nessa simplificação, de uma unidade que não prejudique o português europeu.
Não respeito o critério fonético, a não ser quando a consoante é articulada em Portugal, porque entendo que esse critério divide os falantes, quando o que se pretende é uni-los na língua. Cria, muitas vezes, palavras novas desnecessárias, logo contraria até a simplificação e a unificação.
5. Conclusão
Penso que um Vocabulário Comum com os termos convenientes na intercomunicação lusófona e internacional, base para uma língua portuguesa universal, não impede que “cada país tenha também os seus termos e arranjos peculiares”.
Que fique bem claro que não me considero “um dos donos da língua”; pois ninguém o é, embora alguns se arroguem esse direito. O meu vocabulário é meramente uma contribuição para estudo, e o que me anima é só o desejo de proteger o português europeu. Bem como o amor pela nossa língua, ...e o encantamento que lhe deram ilustres ancestrais.
D’ Silvas Filho
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