quarta-feira, 16 março 2016
As palavras… mágicas!
Isto de nos esquecermos de viver o momento presente, o único que, afinal, nos é dado viver, como foi tema da nossa conversa há dias, torna-se deveras interessante. Um jogo de cabra-cega, diria.
Os professores universitários, por exemplo, que dantes também eram investigadores, porque se lhes dava tempo para isso, passam seus dias a fazer relatórios e projectos. Ah! E a estudar as palavras milagrosas para que os taumaturgos que os leiam mais facilmente façam o milagre de lhes dar a sua bênção. Soube, outro dia, que palavra mágica, agora, é «interdisciplinaridade». Podes fazer os arrazoados que quiseres, tudo muito certinho de cabo a rabo; mas, se não houver lá, mais do que uma vez (de preferência), a palavra interdisciplinaridade, esquece: teu projecto ou teu relatório nem vai merecer atenção!
Outra ideia-chave é «equipa». Sim, trabalho que se preze nunca é individual: é sempre em equipa! Eu cá admirava-me de uma comunicação de vinte minutos em reunião científica vir «assinada» por cinco ou mesmo por dez pessoas. E perguntava-me como. Cada uma escreveu três linhas? Lá me explicaram: é «equipa», menino! Mesmo que o texto só tenha sido redigido por um, como o trabalho resultou, necessariamente, de contribuições várias, tem de ser: toda a gente assina! E assim é que é válido para o currículo!
Como – ficas também a saber – só conta para o currículo se escreveres em inglês; mesmo que seja assim mais ou menos atabalhoado, mas que se compreenda que a intenção é ser em inglês. E, depois, toma atenção, não dá jeito nenhum publicar em revistas nacionais, mesmo que seja na língua de Sua Majestade. Interessa-te é que seja em revista doutro país. Vamos lá ver se a gente se entende: tu tens a revista da tua instituição, mas não deves escrever nela; a tua revista é para os senhores da estranja, que assim vêem reabilitados os seus textos, porque publicados numa revista que não é do país deles. Tu não: tu tens mesmo de publicar lá fora!
Assim, o clima eleitoral: o futuro, senhores, é que vai ser bom, porque nós vamos salvar o mundo! «Vamos»: o futuro. E… cadê o presente? Li numa tasca: «Tomorrow the beer is free!». Excelente ideia: amanhã, venho cá tomar um copo! Esqueci-me, porém, da outra frase (desculpe-me o leitor, mas isto do inglês é mesmo doença que se pega…): «Tomorrow never comes» – o amanhã… não existe!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), n.º 664, 15-06-2015, p. 14.
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