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Cadê meu estilete?
domingo, 01 novembro 2015

Cadê meu estilete?

Diferenças lexicais entre duas variedades da língua portuguesa
À Carla Muniz, minha colega de trabalho e irmã na língua.

Cadê meu estilete? Surpreendidos com a questão? Saberão qual o seu significado? Esta pergunta bem podia ter sido formulada pela minha ex-colega brasileira do departamento onde trabalhei. Com ela muito aprendi sobre esse irmão do português de Portugal que é o português do Brasil. Vamos ao que interessa e proponho a análise da interrogação acima referida:

cadê
Trata-se de uma expressão interrogativa, de uso coloquial, bastante usada no Brasil que significa “onde está?”.

meu
Não deve haver dúvidas. Podemos observar a ausência do artigo definido antes do determinante possessivo, “o meu”. Esta construção, sem o artigo, é característica da variedade brasileira do português.

estilete
É o utensílio com lâmina móvel e afiada, protegido por invólucro de plástico, usado para cortar papel e afins. Em português de Portugal, o x-ato.

Reformulando a questão, agora em português de Portugal, temos:
– Onde está o meu x-ato?
– Fantástico, não? Ou será hilário, né?
Em vez do estilete, ela podia andar à procura do grampeador, e agora sei que o que ela precisaria, na verdade, era de um agrafador.

Quando entrava no elevador para chegar ao departamento, costumava carregar no botão do piso para onde ia. Ora, eu carregava no botão, mas a minha colega apertava o mesmo. Por vezes, comentávamos que era bom ter um atendedor de chamadas, mas ela preferia ter uma secretária eletrônica. Também era normal ter de me deslocar ao quarto de banho, já ela ia ao banheiro. Uma vez ou outra, apanhava uma constipação, enquanto ela pegava um resfriado. Costumava trazer pensos rápidos na carteira, já ela preferia levar os band-aids na bolsa. Se eu adorava sumo de dióspiro, ela adorava suco de caqui e se eu me deliciava com gelados, ela devorava sorvetes. Também gostava de mastigar uma chiclete, enquanto ela mascava um chiclete. Eu bem lhe dizia que tinha rebuçados, mas ela teimava em perguntar-me se eu tinha balas. Uma vez por outra, partilhávamos um mexerico, embora ela preferisse sempre a fofoca.

As diferenças lexicais entre o português do Brasil e o português de Portugal são muitas e podem ser comparadas, por exemplo, com as diferenças existentes entre o inglês americano e o britânico. Acrescente-se ainda que as divergências não se verificam apenas no léxico, existindo também diferenças fonológicas e sintáticas.

Em torno da língua portuguesa constituíram-se variedades linguísticas desse mesmo idioma: as variedades portuguesa, brasileira, africana e asiática da língua. Se o português é falado por mais de 250 milhões de falantes em todo o mundo, não serão essas diferenças plausíveis? Será que um vocabulário diferenciado não vem enriquecer o grande património que é a língua portuguesa? A todas estas questões, atrevo-me a responder: sim! Diversos fatores, de ordem geográfica, social, situacional e histórica, conduziram à diversidade da língua, o que a torna ainda mais rica.

Adoro palavras. Expresso, sempre que posso, a minha grande paixão pelo idioma, pela nossa querida e amada língua portuguesa. Não sejamos egoístas, há espaço para todos. É maravilhoso observar quanto somos diferentes e quanto somos iguais! A língua não é de ninguém, nem pertence a ninguém em especial, é de todos e para todos. Respeitemos as diferenças e convivamos com elas.

Ana Salgado
Gestora do Pórtico da Língua Portuguesa

Comentários (1)

  • Daniel Angulo

    Daniel Angulo

    13 fevereiro 2016 às 22:59 |
    É incrível que mesmo com essas diferenças ainda não vejo nenhuma barreira que nos separe.

    Há um mito muito propagado até por professores que não se pode entender nada dos portugueses. Mas esse mito 'cai por terra' quando eu e muitos outros jovens encontramos vídeos da tv portuguesa na internet e descobrimos que não é tão estranho assim. Dá para entender muita coisa.

    Eu acho que emissoras de televisão dos países lusófonos (e outras regiões como a Galiza) poderiam ser transmitidos aqui no Brasil e vice-versa.

    Se o governo brasileiro permitir os canais de multiprogramação dos canais privados do sistema digital (que ainda está em expansão), iria ter espaço suficiente.
    Iria valorizar e muito a língua portuguesa e a cultura dentro aqui do nosso país.

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