terça-feira, 08 setembro 2015
O efeito luminoso das palavras
Por Lisandro Castro
Lisandro Castro licenciou-se em Ensino de Português e Inglês.
Comemora-se, a 8 de setembro, o Dia Internacional da Literacia e da Alfabetização e há, com grande certeza, milhões de crianças, jovens e adultos em todo o mundo que não sabem ler nem escrever, nem interpretar o que leem. Uma certeza infeliz e áspera, amplificada quando compreendemos que tantos morrerão ainda sem terem conhecido o efeito luminoso das palavras — esse terreno diamantífero, simultaneamente ínfimo e infinito, que devemos cuidar e cultivar.
Mais grave ainda, penso eu, são aqueles que frequentemente não querem que a leitura da vida se faça através dos sentidos e de sentimentos como a bondade e o amor. São os mesmos que, perversamente, tantas vezes nos impedem ou nos proíbem de conhecer o mundo através da justiça, dos afetos e da verdade. São velhas — mas continuamente renovadas — formas de iliteracia que devemos combater, mesmo sabendo que nunca se hão de extinguir. São rostos, visíveis e invisíveis, que buscam limitar, controlar, impor, aprisionar e finalmente matar a criatividade, o pensamento e a liberdade.
Propagar o ensino da escrita e da leitura, explorando essa capacidade para interpretarmos o que lemos e o que escrevemos, é uma forma de ajudarmos a Humanidade a desenvolver-se, a descobrir um poder, a sentir também que há toda uma biblioteca dentro de cada um — onde, curiosamente, muitas vezes se conclui que nem as palavras são suficientes.
No entanto, «há que reconhecer que a literatura não transforma socialmente o mundo.» Disse-o José Saramago, numa das inúmeras entrevistas que concedeu. E repetiu: «No passado, houve a ilusão de que a literatura e a arte podiam mudar a sociedade. Eu não acredito. E tenho isso claro, porque a evidência mostra que, se a arte e a literatura pudessem modificar a sociedade, as obras-primas [...] já a teriam mudado, e não foi assim.»
Infelizmente, apesar do suspeito poder das palavras, o que escrevemos e partilhamos não contribui, aparentemente, para diminuir a crueldade entre os seres humanos. Multiplicam-se atos de humilhação, violência, corrupção, escravatura e discriminação. Continua-se a matar. Continuar-se-á a matar. Há abusos e disfarces de que nem nos apercebemos. Somos cada vez menos humanos e a bondade, o amor e a amizade parecem sobreviver como gesto ou atitude em vias de extinção.
Mas há quem leia, quem escreva, quem fale e quem se atreva, ainda. Há quem lute para defender a dignidade e a vida — trocando armas por palavras —, promovendo a sensibilidade, uma aproximação, o contacto. Há quem procure as palavras numa esperança de contágio, benigno e urgente, embora se insista diariamente que a crueldade não tem cura. Sim, é doloroso saber que as palavras não chegam para mudar comportamentos sociais mas, como lembra Saramago, podem «exercer uma influência pessoal» e «chegar mais fundo na consciência dos leitores».
Muitas vezes tentamos ler e interpretar a confusão e o barulho do mundo. Sabemos que nem todas as palavras são transparentes, como nem sempre o são quem as escolhe. Sabemos que a leitura e a escrita nem sempre são antídotos para os múltiplos venenos e perigos deste mundo. Tal como ensinar uma criança a ler, a escrever e a compreender o que lê — um gesto inútil, infrutuoso e ameaçador para alguns governantes deste mundo mas, também por isso, absolutamente necessário.
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Romi