sábado, 05 março 2016
Ponte da Língua, Ponte dos Mares… ou esta nossa uni-diversa “verbo-náutica” !...
Ponte da Língua, Ponte dos Mares…
ou esta nossa uni-diversa “verbo-náutica” !... (*)
«A alma do meu país teve o tamanho do mundo.
Estamos celebrando a gesta dos portugueses
nos seus descobrimentos.
Será decerto a altura de a Europa
celebrar também o que deles se projectou
na extraordinária revolução da sua cultura.
Uma língua é o lugar donde se vê o mundo
e de ser nela pensamento e sensibilidade.
Da minha língua vê-se o mar.
Na minha língua ouve-se o seu rumor
como na de outros se ouvirá o da floresta
ou o silêncio do deserto.
Por isso a voz do mar foi em nós
a da nossa inquietação.»
(Vergílio Ferreira: «À voz do mar»,
in espaço do invisível 5,
Lisboa, Bertrand Editora, 1998, pp. 83-84)
No marulho das ondas apartadas pela proa apaixonada e destemida, sente-se, vindo de lá dos mais remotos confins do passado, o eco do canto das Sereias, o vozear dos Argonautas à procura do Velo de Ouro, o violento Aquilão a soprar nas páginas da Odisseia e da Eneida, dando-nos a descobrir, aí, o sentido épico da vida, a nostalgia da errância, o apelo do regresso, o risco da aventura, a força fundadora do mito, com o ardiloso Ulisses a conceber e a projectar a sua Ulissipona [> Lisboa] como a “Catedral das Descobertas” ou o piedoso Eneias a futurar a sua Roma como a cabeça de um vasto Império...
Mas, desde aqui, já mais à beira de nós e com tudo agora bem mais audível, nítido e real, chegam-nos às profundezas da alma, em impressionante registo estereofónico, os amores do Donzel do Mar e de Oriana no Amadis de Gaula, as inconformadas imprecações do Velho do Restelo, as dramáticas e amarguradas queixas do Adamastor n’Os Lusíadas, o soturno chiar do «Mostrengo» na Mensagem1 e a trágica e lancinante silhueta dos «míseros amantes na férvida e implacábil espessura»2...
E à medida que a linha de horizonte se foi abrindo em «novos mundos», desde a contígua Madeira e os vicinais Açores ao tão distante Timor, por sobre as águas do Mar Salgado não mais cessaram de cair nem as preces nem as lágrimas... Condição, preço e tributo, impostos pelos deuses a todas as realizações imperiais e que o neo-épico e ortónimo Pessoa consignou, como um inderrogável imperativo, no lapidar aforismo: «Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor»3.
Legado que se caracteriza por uma extrema complexidade histórica não imune às marcas agónico-epocais de uma inumana concepção e “visão” do mundo”, como foram e continuam a ser todos os processos de colonização de povos pelos circunstanciais líderes e governantes de outros povos4 e que Portugal também sofreu na sua própria carne (ainda que com gradações e configurações modais e expressionais diferenciadas...) ao longo da sua diacronia existencial de Povo e de País e continua a sofrer, e de que maneira, na actual conjuntura euro-planetária...5
Legado facticamente imperecível e irrasurável, inscrito para sempre como memória viva na vela panda, içada no mastro maior da CPLP: a Língua Portuguesa!
Com esta Língua, muito mais abrangente e enriquecida com o contributo das línguas autóctones, aqui vamos agora todos a navegar em harmoniosa e fraterna convergência para quebrar os grilhões de toda a espécie de escravidão, lançando as humanas amarras do Afecto e levantando as esperançosas e solidárias âncoras da Sabedoria e do Amor.
É assim que, neste «irmo-nos / em velas / caravelas / rumar / estrelas / dentro delas ! / Mares / e Deus / leitos do sonho!»6, se escutam, em imponente, comovente e inamordaçável “coral”, vozes trazidas por todos os ventos e brisas da CPLP e da Diáspora...
São os gemidos de «mofina dor» denunciadores da dramática situação de um povo implacavelmente batido pela seca, pela fome, pelo sofrimento e pelo abandono, no Chiquinho, de Baltazar Lopes, sofrimento agonicamente partilhado, também, pelos Flagelados do Vento Leste, de Manuel Lopes, lá bem no cerne do corpo vivo e da alma sangrante de Cabo Verde, ou no cantar soluçante e crioulo do apaixonado Chico, na diaspórica e lacrimosa «Hora di Bai7, inesquecível e comovente narrativa de Manuel Ferreira, modulando, para Salibânia, a suave melopeia da morna, «amorable como mel», mestiçandoa com a nostálgica e cesária dolência da «Sodade» percutida nos timbres dedilhados na viola:
https://www.youtube.com/watch?v=ERYY8GJ-i0I
https://www.youtube.com/watch?v=8OgUEs-aWgA
«Quem mostra’ bo / Ess caminho longe? / Quem mostra’ bo / Ess caminho longe? / Quem mostra’ bo / Ess caminho longe? / Ess caminho / Pa São Tomé / Sodade sodade / Sodade / Dess nha terra Sao Nicolau / Si bô ’screvê’ me / ’M ta ’screvê be / Si bô ’squecê me / ’M ta ’squecê be / Até dia / Qui bô voltà / Sodade sodade / Sodade / Dess nha terra Sao Nicolau»...
E se, no desassossegado e caboverdiano «Poema do Mar», de Jorge Barbosa, nos chega «a nostalgia de países distantes» de mistura com «saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados», por sua vez, no angolano registo órfico de Bessa Victor, «o negro poeta canta e tange / as fibras do seu próprio coração» e «o mar chora no seu canto / e as ondas são batuques a cantar», ao mesmo tempo que a dorida «circunstância» de Agostinho Neto se debruça angustiadamente «sobre a ânsia de pão / derramada na vermelhidão ardente da areia / dos muceques / sobre a certeza firme / da força / no olhar choroso da criança negra» e a «Mãe-Negra», de Alda Lara, protagoniza a sonhadora Angola, com «os olhos naufragados em poentes cor de sangue», a cantar, pela estrada fora e ao cair da noite, a promissora aurora de um novo dia, o fim dos degredos e das guerras e a épica libertação das «mãos pretas» que «moldaram em terracota» a serena beleza da “Negritude”, com a esperança universalista, deixando escorrer amoráveis e saudosas lágrimas pelo regresso do náutico «bergantim»... que partiu... mas não voltou:
Meu bergantim foi-se ao mar…
Foi-se ao mar e não voltou,
que numa praia distante,
meu bergantim se afundou…
Meu bergantim foi-se ao mar!
levava beijos nas velas,
e nas arcas, ilusões,
que só a mim me ofereci…
Levava à popa, esculpido,
o perfil, leve e discreto,
daqueles que um dia perdi.
Levava mastros pintados,
bandeiras de todo o mundo,
e soldadinhos de chumbo
na coberta, perfilados.
Foi-se ao mar meu bergantim,
Foi-se ao mar… nunca voltou!...
E por sete luas cheias
No areal se chorou…
Este alegórico “bergantim” é, no fundo, aquela mesma embarcação veleira bi-mástrica que transporta em seu bojo o “body-mind” daquela mesma “Negritude”, herdeira antropo-genómica e genealógica do «Homo sapiens sapiens africanus8», com todos os seus potenciais de sonho, de criatividade, de sapiencialidade e de realização, que se disseminou evolutivamente à escala do Planeta e que pôs a «pensar» e a «chorar», em São Tomé, o inspirado e humaníssimo Francisco Tenreiro, ali mesmo, naquelas mestiçadas Ilhas de «Pescadores-marinheiros / de marés vivas», onde, no inebriante e melódico cantar da minha caríssima Poeta e Amiga Olinda Beja9, o Povo, «arrancado à dor da escravidão», «planta café e cacau», «traz nas mãos sal e espuma», «canta nas canoas» e «dança na bruma»...
Mas já começa também a ser mais audível o rumor equatropical das florestas e o fagueiro ondular das águas da fremente GuinéBissau, «Flor amiga / com pétalas de estrelas / e résteas de luar», na tão bela metáfora poética de Agnelo Regalla10.
E se o outrora território integrado no GabuMali, onde aportou, em 1446, Álvaro Fernandes é, no registo crioulo de Oliveira Lopes11, «Terra riku / ku si povo koitadi», esforçando-se «Pa mininus tené bons escolas / Pa krianças brinca kabracego», ela é, igualmente, no dolorido e esperançoso desabafo de Fernando Casimiro12, a lacrimosa «Mãe Guiné» que «chora, chora... até que todos os seus filhos se entendam», e sempre a «Mamãe Velha» de Amílcar Cabral13, estendendo os seus ternos e acolhedores braços a um povo inteiro que regressa à noite, «entoando / canções tradicionais das selvas africanas», em demanda do «país natal» visionado por Baticã Ferreira... Povo e País, com a sua inconfundível “identidade’ radicada nas «raízes profundas», «no sangue das Ilhas», na «semente germinada / em terras fartas do Maiombe» e na «flor desabrochada nas Colinas do Boé», identidade essa, tão sugestivamente plasmada no órfico cantar da inspirada Filomena Embaló14...
Sonho profundo e promissor esse que se descobre também lá para as plagas do Índico, no exacto ponto onde, no ficcional e épico “outrora”, Vénus e as Nereides «puseram no madeiro duro o brando peito»15 (dessarte protegendo a ameaçada empresa capitaneada pelo Gama...) e onde igualmente o Zambeze se vem finando de moçambicanas e amorosas saudades pela enfeitiçante «Eurídice Negra», de Sérgio Vieira, ou pela «Maria de uma canção de amor», numa «noite misteriosa de segredos murmurados», de Craveirinha...
E se são as «vozes anoitecidas», de Mia Couto, porque «é urgente inventar / outra maneira de navegar», não são menos os «sonhos d’alma» que nos fazem amanhecer vitalmente o corpo inteiro e em madrugada, do céu ao mar e pela montanha arriba: do princípio ao fim, neste universal banquete da palavra escrita em Língua Portuguesa, alimentadora de esperanças, de projectos e de utopias...
Mas é já ali mesmo que se pressentem também, «passando ainda além da Taprobana16, os gestos mágicos e o sonido inebriante do hipnótico flautear dos “encantadores de serpentes”, vindo de lá, das bandas da tão almejada Índia... Anunciaria, então agora, o atento Capitão do globo-náutico plano: «Terras são de Calecu, se não me engano!17...»
Todavia, a humanista e promissora “Nova Odisseia” protagonizada pelos actuais “Argonautas Lusíadas” da interculturalidade dialógica e polilógica e da cidadania planetária só conhecerá o seu regresso a Ítaca, depois de cruzados os mares da China e do Japão...
Importa assim, primeiramente, fazer escala em Macau para reparar a enxárcia e o velame e fazer aguada; segundamente, aportar a Timor, a prometida terra do sol nascente, ode ensanguentada, mas triunfal, de uma gesta que é também «Canto Maior»18, marcada pela plangente e pungente paixão quase remorso, quando, em sentida homenagem, respeitamos, curvados, o pedido de «um minuto de silêncio» formulado por Borja da Costa19 aos «montes / vales e fontes / regatos e ribeiros / pedras dos caminhos / e ervas do chão / pássaros do ar / e ondas do mar / ventos que sopram / canas e bambus / árvores e “ai-rús” / palmeiras e capim / na verdura sem fim / do pequeno Timor/ (…) pelos que perderam a vida / pela Pátria (…)».
No poético traçar desta circum-navegante rota (sobretudo quando, com o desencantado Ruy Belo20, «o meu país — Portugal — é o que o mar não quer»!...), duas “lições” haverá entretanto que reter: uma, do nosso transmontano, adusto e telúrico Miguel Torga, quando nos propõe o estabelecimento de um mais que justificado e indispensável «traço de união» entre o Velho Portugal Navegador e o Primogénito Gigante da CPLP: o Brasil; a outra, do nosso igualmente inconfundível «mineiro carioca amazonense» que tem por nome Carlos Drummond de Andrade, quando, em amoroso registo fluindo permansivo nas «escritas do sangue» (como ele diz), o Brasil é por ele visto e vivido, acima de tudo, como uma incontornável e placentária «coleção de mins entrelaçados»21...
Brasil profundo, autêntico e generoso esse que é, ao mesmo tempo, um Brasil imenso, diverso, assimétrico e polirrítmico, com as veredas de Guimarães Rosa e do seu quase inóspito Sertão (a um tempo, paradoxal paraíso de cambaxirras, juritis, irerês e sabiás e de alencarianas Iracemas de lábios de mel...), com os mágicos requebros e enleios do saracoteante samba e com a amazónica reserva e global garantia da regeneração da biosfera terrestre...
«Coleção de mins entrelaçados»!... Metáfora da fraternidade empenhada, inclusora e solidária, progenial geratriz de uma Humanidade melhor formada, mais culta e mais justa e, assim, mais coesa, mais sábia e mais humana.
Porque a verdade a ser assumida não pode nem deve deixar de ser senão aquela que, em holística, humanizadora, inclusiva e “franciscana” metáfora coral, nos é anunciada pelo nosso inspirado e magnânimo Oliveira Cruz, no seu BarcoNauta22: «os homens / todos / somos música / de um grande / canto / universal»!...
Esta dupla “lição” converge, consubstancialmente, num dos constituintes mais fortes da germinal e transformadora segunda Mensagem23, a ser veiculada nos périplos à roda do Mar sem fim e sempre por achar de uma quase Perdida mas sempre Recuperável e Renovável Antroposfera — mensagem essa, consignada nos seguintes termos de inspiração crístico-paulina:
Para nós
não há homem nem mulher
não há branco nem preto
senhor ou escravo...
.
.
.
... há um povo
que é sempre eterno
e sempre novo
cujo nome será
HÍFEN.
Na minha profunda e esperançosa convicção é nesta “hifenizada”, holística, paritária e fraterna Antroposfera, perspectivada à escala planetária, que todos podemos e devemos descobrir, um por todos e todos por um («e pluribus unum»)24, a “Pátria” ao mesmo tempo singular, colegial, comunitária, polifónica, mestiçada e autonomamente verbalizada com que sonhamos:
MINHA PÁTRIA
Minha pátria é o que busco
sempre a partir de meus cais
sempre além de cada mar
me busco em novos sinais
De joelhos sobre o mundo
tombado sob o seu peso
uma pátria ao céu imploro
Deus de Terra a quem eu rezo
Minha pátria é não ter pátria
pátria nenhuma que seja
estar nela mas sem estar
sê-la adentro onde ela esteja
A pátria busco na Mãe
que é cada língua a dizê-la
a Pátria surge do Verso
com que em luz
lavra as estrelas!
(A. Oliveira Cruz: Antologia Poética
(Por mim passa um vento [1997]),
Lisboa, Edições Piaget, 2010, p. 400)
Pois bem, aqui fica lavrado o nosso inquebrantável desejo que é também e simultaneamente um inderrogável, perene e vinculante compromisso: que os «mins entrelaçados» da já citada e tão afectuosa «colecção» do poema de Drummond de Andrade sejam, indistintamente, os «eus» de todas as gentes e povos que integram a CPLP e suas comunidades exodais ou diaspóricas e que o agora englobante e irrasurável «traço de união» ou «hífen»25 seja fortalecido, de modo crescente e vital, no nosso constante e verbonáutico vaivém...
O ritmo de fraterna e fecunda solidariedade vai pulsar, cada vez mais forte, mais quente e mais criativo, no coração de todos nós, Gente da CPLP e da Diáspora!... Vamos, então, de mãos dadas e de velas enfunadas, dentro do mesmo inclusor, inter-cultural e planetário neo-Lusíada “BarcoNauta”, «semear nova seara e plantar alto o padrão!26...»
***
Mas seja qual for o destino que nos coube, importa ter sempre presente e bem claro nas nossas mentes que um dos maiores poderes da linguagem e da língua, no quadro da sua acção modelizante, é o de gerar e organizar, memorial e historicamente, as matrizes e as referências simbólicas que plasmam a nossa identidade cultural e civilizacional.
Poderá mesmo dizer-se que as perenes e irrasuráveis “impressões digitais” que singularizam, distintivamente, o nosso “cartão único” de concidadãos multi-étnicos, são marcas linguísticas e literárias, são marcas culturais. Daí, a necessidade do diálogo diuturno com os textos dos vultos maiores da Literatura Portuguesa, da Literatura de todos os Povos e Países da CPLP e nossos patrícios migrantes, sob a aura simbólica e inspiradora de Luís de Camões!
Não deixemos, então, que nos calem nem as Rimas (a Lírica) nem Os Lusíadas (a Epopeia) para podermos continuar a sentir circular em nossas veias, em nossos olhos e em nossas mãos, a seiva fecundante da língua e da alma fundadora, iluminante e universal que pulsa no ritmo e na magia das suas estâncias canoras e que nos fazem habitantes do mundo inteiro («Por mares nunca de antes navegados...»27, «... novos mundos ao mundo irão mostrando»28...
Porque, hoje, mais do que nunca, essa língua é a língua da CPLP, de Portugal, de Angola, de Moçambique e do Brasil, de Cabo Verde, de São Tomé, da Guiné, de Timor e das comunidades da Diáspora Lusíada, na riqueza multímoda e diversa de suas diferenças, experiências e vivências, tradições, crenças e “visões do mundo”, de seu léxico tonal e serial, de seus registos e estilos, variedades, variações e crioulas mestiçagens… e sempre com «uma espantosa unidade da sua gramática profunda»29!...
Língua de D. Dinis, Fernão Lopes, Gil Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Eça, Pessoa, Florbela, Vergílio Ferreira, Sophia, Agustina, Saramago, Eugénio de Andrade, Herberto Helder e Oliveira Cruz, de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Drummond de Andrade e Melo Neto, de Bessa-Victor, Agostinho Neto, António Jacinto, Pepetela, Luandino Vieira, Viriato Cruz, Costa Andrade e Alda Lara, de Kalungano, Reinaldo, Mia Couto, Alberto Lacerda, Craveirinha, Noémia de Sousa e Eduardo White, de Baltasar Lopes, Corsino, Onésimo Silveira, Daniel Filipe e Aguinaldo, de Baticã Ferreira, de Francisco Tenreiro, Manuela Margarido e Olinda Beja, de Borja da Costa, Ruy Cinatti, Fernando Sylvan e Xanana Gusmão...
Oceanidade omni-lusíada de todos os mares mestiçados da coral sinfonia de todos nós… Terra-Mater da sempiterna resgatadora e incarcerável Liberdade!… Stella Maris!… Farol iluminante de todos os rumos a oriente do Futuro!... Fraterna Pólis Universal!… Amorável e sortílega Pátria de Pátrias!… Língua plural e diaspórica da verdadeira e integral CPLP: sinfónica, polifónica e sem discriminações; europeia, africana, americana, asiática e oceânica; em suma, englobante e demeteriana; língua da terra, dos mares e dos céus, assim é e assim será... para sempre!...
Seja-me, pois, permitido terminar, em jeito de “laude”, com o belo poema do nosso saudoso Moçambicano Lusíada — Alberto de Lacerda30:
«A LÍNGUA PORTUGUESA»
Esta língua que eu amo
Com seu bárbaro lanho
Seu mel
Seu helénico sal
E azeitona
Esta limpidez
Que se nimba
De surda
Quanta vez
Esta maravilha
Assassinadíssima
Por quase todos os que a falam
Este requebro
Esta ânfora
Cantante
Esta máscula espada
Graciosíssima
Capaz de brandir os caminhos todos
De todos os ares
De todas as danças
Esta voz
Esta língua
Soberba
Capaz de todas as cores
Todos os riscos
De expressão
(E ganha sempre a partida)
Esta língua portuguesa
Capaz de tudo
Como uma mulher realmente
Apaixonada
Esta língua
É minha Índia constante
Minha núpcia ininterrupta
Meu amor para sempre
Minha libertinagem
Minha eterna
Virgindade.
Fernando Paulo Baptista
Investigador honorário da Associação Piaget Internacional / AsPI
Investigador convidado do Centro de Investigação em Educação / Cied, da Universidade do Minho
(*) O presente texto reproduz, com pontuais ajustamentos, uma comunicação apresentada no “III Congresso Internacional de Língua Portuguesa”, realizado na Universidade Jean Piaget de Angola, Viana / Luanda, nos dias 18, 19 e 20 de Setembro de 2014. Trata-se de uma espécie de “périplo” odisseico através dos Povos e Países da CPLP, configurando, desse modo, uma amostragem “panorâmica” (ao jeito de sinédoque simbólica...) do que é a criatividade poético-literária, plasmada em Português.
1 Fernando Pessoa: Mensagem, Lisboa, Assírio & Alvim, 42004, pp. 52-53.
2 Camões: Lus., v, 48.
3 Fernando Pessoa: Mensagem, op. cit., poema «Mar Português», p. 60.
4 Importa sublinhar que a “constituição de colónias” foi o modo (quase sistemático e invariavelmente violento...) como os seres humanos se disseminaram pelos vários continentes do Planeta,ao longo da História da Humanidade...
5 Basta recordar o que foi a colonização levada a cabo pelos Romanos, Alanos, Suevos, Búrios, Vândalos, Visigodos, Árabes, Espanhóis, Franceses, Ingleses... e, na actual e arrastada situação de crise, pelo “vampirismo” financeiro das “Troikas” globais...
6 A. Oliveira Cruz: BarcoNauta, Lisboa, Edições Piaget, 1994, p. 13.
7 «Hora di Bai / Hora di dor! / Amor, / Deixa’n chorá / Corpo catibo (…)», apud: Marília Mendes (ed.): A Língua Portuguesa em Viagem:
Actas do Colóquio Comemorativo do Cinquentenário do Leitorado de Português da Universidade de Zurique, Verlag, Teo Ferrer de Mesquita (TFM), 2003, p. 205. É musicalmente imperioso escutar, na suave e melodiosa voz de Sãozinha, esta emocionante canção: https://www.youtube.com/watch?v=egOQSQeWih0&feature=share.
8 Anatomicamente o homem moderno evoluiu do Homo sapiens arcaico na África durante o Paleolítico Médio, há cerca de 200 000 anos. Até o início do Paleolítico Superior, há cerca de 50 000 AP, o comportamento moderno, que inclui a linguagem, a música e outras expressões culturais universais, já tinham se desenvolvido. Um estudo sobre a diversidade genética africana chefiado pela Dra. Sarah Tishkoff (Universidade da Pensilvânia) encontrou no povo San a maior expressão de diversidade genética entre 113 populações distintas, sugerindo que o “berço da humanidade” ficaria na região dos Khoisan (antes chamados de Hotentotes), na área de Kalahari mais próxima da costa da Fronteira Angola-Namíbia, indicando uma possível migração de ancestrais para o norte e para fora da África há cerca de 250 gerações.
(Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Homo_sapiens_sapiens).
9 http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/s_tome_princepe/olinda_beja.html
10 Cf. Agnelo Regalla: poema «Flor Nocturna» apud: http://www.didinho.org/apoesiadeagneloregalla.htm.
11 Cf. Alberto Oliveira Lopes “Beto”: poemas «Terra Riku» e «Guiné di Nhos» apud: http://www.didinho.org/APOESIADEALBERTOOLIVEIRALOPES.htm.
12 Cf. Fernando Casimiro: poema «Chora, Chora, Mãe Guiné», apud: http://www.didinho.org/apoesiadefernandocasimiro.htm.
13 Amílcar Cabral: http://www.didinho.org/apoesiadeamilcarcabral.htm.
14 Cf. Filomena Embaló: poema «Identidade», apud: http://www.didinho.org/apoesiadefilomenaembalo.html.
15 Camões: Lus., II, 22.
16 Camões: Lus., I, 1.
17 Camões: Lus., VI, 93.
18 A. Oliveira Cruz: Timor Canto Maior, Lisboa, Edições Piaget, 1997.
19 http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Borja_da_Costa.
20 Ruy Belo: Todos os Poemas, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, poema «Morte ao meio-dia»: «No meu país não acontece nada (...) / O meu país é o que mar não quer», pp. 153‑154.
21 Poema «Canto Brasileiro»: (...) Brasil
meu modo de ser e ver e estar triste e pular
/ em plena tristeza como se pula alto /
sobre água corrente. /
Meu país, esta parte de mim fora de mim
/ constantemente a procurar-me. Se o esqueço /
(e esqueço tantas vezes) /
volta / em cor, em paisagem /
na polpa da goiaba na abertura
/ de vogais
/ no jogo divertido de esses e erres /
e sinto
/ que sou mineiro carioca amazonense
/ coleção de mins entrelaçados.
/ Sou todos eles e /
o sentimento subterrâneo /
de dores criativas e fadigas
/ que abriram picadas
/ criaram bois e mulas e criam búfalos /
e trabalham o couro o ferro o diamante o papel o / destino. /
Por que Brasil e não /
outro qualquer nome de aventura?
/ Brasil fiquei sendo serei sendo
/ nas escritas do sangue. (…)» (destaquei).
Cf.: http://www.avozdapoesia.com.br/obras_ler.php?poeta_id=234&obra_id=2298.
22 António Oliveira Cruz: BarcoNauta, Lisboa, Edições Piaget, 1994, p. 101.
23 Cf. Oliveira Cruz, Mensagem II, Lisboa, Edições Piaget, 1988, p. 59.
24 Expressão decalcada, a partir do Poeta Romano Publius Vergilius Maro, no poema Moretum (= «Salada»), apud: http://www.forumromanum.org/literature/moretum.html:
(…)
It manus in gyrum: paulatim singula vires
deperdunt proprias; color est e pluribus unus,
nec totus viridis, quia lactea frusta repugnant,
nec de lacte nitens, quia tot variatur ab herbis. (…) [sublinhei].
25 Do grego ὑφέν [hyphen]: < ὑπό [hypó] + ἑν [hén]: sob apenas um, debaixo de um só, de modo a constituir um todo; tudo unido num só corpo...
26 Cf. Oliveira Cruz: BarcoNauta, Lisboa, Edições Piaget, 1994, p. 95.
27 Camões: Lus. I, 1.
28 Camões: Lus. II, 45.
29 Cf. Vítor Aguiar e Silva: As Humanidades, Os Estudos Culturais, O Ensino da Literatura e A Política da Língua Portuguesa, Coimbra, Edições Almedina, 2010, p. 349; ver também Fernando Paulo Baptista (org.): Vítor Aguiar e Silva: A Poética Cintilância da Palavra, da Sabedoria e do Exemplo, Viseu, Edição do Governo Civil do Distrito de Viseu, 2007, p. 151.
30 Alberto de Lacerda: Exílio, Oferenda I, Lisboa, I
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